quarta-feira, 24 de março de 2010


Signore Tristezza* por Roberto Vieira A velha cantina parece ter adormecido nos anos 50. Fotografias espalhadas pelas paredes, toalhas verdes e vermelhas pelas mesas. Algumas pessoas sentadas tomando vinho, comendo uma pasta. Conversando sobre política. Peço o vinho da casa e uma lasanha ao forno. Como bom brasileiro esqueço o antipasti. Heresia. O dono da cantina me olha de soslaio. Como me desculpar? Quem sabe? Estamos em Firenze. Vale à pena. Chamo o dono da cantina e pronuncio: Julinho ! Ele enche os olhos d'água e completa: Boteglio ! Somos irmãos. No instante seguinte, ele me segura pela mão e começa a mostrar os retratos na parede. Julinho e a Fiorentina. A Fiorentina de Julinho. Campeã italiana de 1955/56. Uma equipe mágica saída da Toscana para humilhar a Juve, o Milan, a Napoli. Meus olhos percorrem as fotos amareladas, os recortes de jornal. Volto no tempo. Como se as águas do Arno ousassem retornar ao seu passado nas montanhas. Pelas margens do Arno passeava o grande Julinho. Olhos postos na distância, nos museus. Nas igrejas centenárias repletas de história. Julinho que transformou os estádios da Itália em galerias de arte. Driblando seus marcadores em progressão geométrica. Julinho que, no entanto, não podia esconder os seus olhos de saudade. Queria voltar para São Paulo. Faz frio. O vinho é dividido com o dono da cantina. Fratelli. Dou boa noite e saio pela noite de volta para o hotel. A turma do meu lado não entende nada. Papo esquisito de futebol. Papo de criança. Cultura inútil. Um deles chega a rir com a imagem daquele velho jogador de bigode fino e olhar sério. Para os brasileiros, Julinho Botelho é somente isso: Um bigode. Pra que perder tempo explicando? Vão dizer que estou sob efeito do vinho. Eles jamais compreenderão a tristeza daquele senhor, amado longe de casa, fintando os adversários de outro continente, sonhando com o dia em que seria aplaudido em sua própria casa. Ignorando a imensa vaia reservada a sua escalação no lugar de Garrincha. Vaia de muita gente que imaginava em Julinho apenas um bigode. Não vale perder tempo explicando. Melhor guardar o gosto do vinho da Toscana e a memória das velhas fotos nas paredes. Melhor procurar um palestrino para conversar. Melhor guardar o telefone do Giuseppe, o dono da cantina. Giuseppe entende que a tristeza é um ponta imortal. Como as igrejas e vielas de Firenze...*29 de julho de 2009 - Julinho Botelho completaria 80 anos.







Causos do Futebol - A maior vaia do mundo!


Michel Laurence



O Brasil ainda respirava a glória de ter conquistado pela primeira vez a copa do mundo. Era um belo domingo de maio de 1959, ensolarado, Maracanã lotado. A seleção brasileira ia enfrentar a da Inglaterra, de Billy Right, considerado pelos europeus, até surgir Djalma Santos, o maior lateral direito do mundo. Era uma espécie de comemoração. Os heróis da Suécia eram vistos como semideuses. Pelé, que apenas começava a ser rei, Vavá – o primeiro “peito de aço”, Zito, Belini – O grande capitão, Nílton Santos – a enciclopédia, Gilmar dos Santos Neves – o nome tinha que ser declinado por inteiro, Didi – o príncipe etíope, a elegância em pessoa, eleito o maior jogador da copa de 58, Djalma Santos “o nariz de ferro”, Orlando Peçanha, Zagalo – naqueles tempos com um “ele” só, e claro, Mané Garrincha, o das pernas tortas, o que inventou o caminho mais longo e bonito até o gol. Uns cinco ou seis minutos antes dos times entrarem em campo, o serviço de alto-falantes do Maracanã anunciou a escalação do Brasil: “Gilmar; Djalma Santos, Belini, Orlando e Nílton Santos; Zito e Didi; “Julinho” – a partir daí ninguém mais ouviu a escalaçao do resto do ataque. O povo estava ali para homenagear Garrincha. A vaia ensurdecedora foi a maior que já ouvi em toda a minha vida. Para se ter uma ideia, cinco ou seis minutos depois, quando o time surgiu pela boca do túnel, a vaia continuava. Não se sabe como Julinho teve coragem de entrar em campo. Foi uma rejeição incomparável, insuportável, terrível. “Terrível”, foi essa palavra que o grande Nelson Rodrigues usou em sua crônica na revista “Manchete Esportiva” e que resume bem o que aconteceu: “Parecia-me que o escrete sem o seu Mané era mutilado… a memória é uma vigarista… recebemos Julinho como se ele fosse um gringo (Julinho acabava de voltar da itália), ou pior do que isso - um perna de pau… ao ouvir o apupo vaticinei para mim mesmo – o Julinho vai comer a bola!”. E foi o que aconteceu. O público continuava vaiando quando o jogo começou. Nelson Rodrigues descreve a atuação de Julinho ainda no primeiro tempo, da seguinte maneira: “O que ele fez com o adversário foi pior do que xingar a mãe!”. E realmente foi. Julinho driblou seu marcador centenas de vezes e quando ele partiu da direita driblando um adversário atrás do outro até chegar na cara do goleiro e, mesmo sem ângulo, mandou uma bomba que estufou a rede. Houve um certo silêncio! Dava até para ouvir os jogadores gritando gol, abraçando Julinho o “senhor tristeza”, como era chamado na Itália, onde levantou o título de campeão italiano da temporada 55/56, não sorriu. Foi caminhando até o meio de campo quando começaram os aplausos. O mesmo público que o tinha vaiado impiedosamente o aplaudiu… de pé… durante mais de 10 minutos. Foi nesse jogo que se cunhou a máxima de que “Julinho era capaz de transformar um pedaço de grama do tamanho de um lenço em um verdadeiro… latifúndio”. Passaram 50 anos, mas a figura de Julinho Botelho, com seu bigodinho fino, continua viva na “vigarista” da minha memória. PS – os italianos colocaram o apelido de “signore tristeza” em Julinho devido ao aspecto de seu rosto que, segundo eles, só era desse jeito pela saudade que o grande jogador sentia do Brasil. Autor: Michel Laurence - Categoria(s): Causos do Futebol Tags: ,



JULINHO ESTÁ VIVO!


ALBERTO HELENA JR.


Todo santo dia, um internauta me manda esta mensagem: Julho. Júlio Botelho está vivo!


E está mesmo, na memória de quem neste 29 de julho celebra os 79 anos de seu nascimento. Julinho deixou-nos há cinco anos, mas sua história haverá de ser recontada até o apito do juízo final, a história de um dos maiores jogadores de todos os tempos e quadrantes.


Júlio Botelho está vivíssimo na minha retina naquela tarde chuvosa de 25 de novembro de 1951, num Pacaembu enlameado. Sua figura esguia partindo da direita para o meio, bola colada ao pé, balançando à frente dos adversários e, serpenteando entre eles.


Era um gol atrás de outro, na célebre goleada da Portuguesa de Muca, Nena e Noronha; Djalma Santos, Brandãozinho e Ceci; Julinho, Renato, Nininho, Pinga e Simão, um dos mais vistosos e eficientes esquadrões que vi até hoje.


Foi uma goleada inacreditável sobre o Corinthians, campeão paulista daquele ano: 7 a 3, quatro gols de Julinho, dois de Pinga e um de Nininho Jacaré, contra dois de Carbone e um de Idário, o Sangue Azul. Goleada que quase encerra a nascente carreira de Gilmar dos Santos Neves, o maior goleiro brasileiro de sempre.


Julinho está vivo na conquista do Pan-Americano do Chile, no ano seguinte, redenção do futebol brasileiro, que ainda vertia sangue pela ferida aberta no Maracanazo, em 50. Machucado, não participou da vingança por 4 a 2 contra o mesmo Uruguai de 50. Mas, foi eleito o melhor ponta-direita da comeptição. Feito que repetiria na Copa do Mundo da Suiça, apesar da derrota para a Hungria. Aquele gol de Julinho, do bico da grande área foi inesquecível.


Em 58, já ídolo eterno da Fiorentina, time que Julinho conduziu a um dos raros títulos da sua longa história, declinou do convite de Paulo Machado de Carvalho para jogar pelo Brasil na Suécia. Motivo: achava injusto, ele, jogando no exterior, tomar o lugar de um jogador que atuasse no Brasil. Seu recato, por vias tortas, acabou consagrando as tortas pernas do seu Mané.


Voltou, em 59, desta vez para o Palmeiras da famosa Academia e barrou Garrincha na Seleção, naquele célebre jogo contra a Inglaterra, em que o Maracanã despejou sobre ele, ao entrar em campo, a mais humilhante vaia, que, em poucos minutos de bola rolando, transformou-se num aplauso santificado, por expiar o pecado inicial e por glorificar o futebol quase perfeito de Julinho.


Futebol que se assemelha muito ao de Cristiano Ronaldo, para os jovens que não tiveram a ventura de ver Julinho em campo: alto, para um extrema, veloz, drible fácil em ziguezague, chute forte e bem direcionado, além de precisão no cabeceio. Tanto podia derivar para o meio, quanto ir à linha de fundo, de onde disparava exatos cruzamentos para o centroavante da hora.


Julinho, filho da Penha, tradicional bairro da Zona Leste de São Paulo do qual jamais se desvinculou, começou no Juventus, em 50, transferindo-se em 51 para a Lusa, de onde partiu, em 55, para a Fiorentina.


Lá, até hoje, há um café cuja mesa é perpetuada por uma placa de bronze na parede: “Aqui, sentava-se Júlio Botelho”. Ou, o Sr. Tristeza, como o chamavam os italianos, por seu semblante sempre carregado da saudade do Brasil, da Penha, dos amigos e familiares que deixara.


Não era para menos. A Fiorentina não ganhava um campeonato há séculos, e, na partida decisiva com o Bolonha, perdia por 1 a 0, faltando, sei lá, dez, quinze minutos para o encerramento, quando Julinho, em duas investidas fantasmagóricas, definiu o placar e o título. Foi carregado nos ombros pelos torcedores violas de Bolonha a Florença.


Teve 31 participações com a camisa da Seleção, 21 vitórias e dez gols marcados.


Por tudo isso, Julinho, sim, meu amigo, está vivo. Eternamente.

Autor: Alberto Helena jr. - Categoria(s): Sem categoria

Um comentário:

  1. Julinho voltou ao Brasil em 1958 e não em 1959. Assim que voltou já começou a dar alegria a sofrida torcida palmeirense na época que não comemorava um título de Campeão Paulista que era a principal competição desde 1950 e que amargava as gozações dos corinthianos pelo tabu formado em jogos de Campeonatos Paulista, última vitória do Palmeiras sobre o Corinthians havia sido em 1951. No primeiro jogo de Julinho frente o Corinthians, Pacaembu lotado, um verdeiro show de bola que ele deu, partida espetacular, inesquecível, o tabu foi quebrado, Palmeiras 4x0, vitória que valeu como um título pela grande rivalidade, ali o palmeirense começou erguer o nariz. Numa entrada violenta do zagueiro corinthiano Olavo ainda no primeiro tempo, Palmeiras vencia por 2x0 e Julinho tinha sido autor de um dos gols, Julinho deixou o gramado só voltando no segundo tempo perto dos 15 minutos do jogo em andamento. Assim que pegou a bola, deu uma série fintas no zagueiro corinthiano Oreco, foi naquelas suas grandes escaladas para a linha de fundo e cruzou no jeito para Paulinho fazer 3x0 e esvaziar praticamente a Geral do Pacaembu que onde normalmente era tomada pela grande torcida corinthiana. Esse gol passava diariamente, era filme, não tinha vídeo tape ainda, na apresentação do saudoso jornal Diário de São Paulo na TV, pela TV Tupi, na época Canal 3. No final do jogo Paulinho fez 4x0, goleada quebrando o tabu contra o Corinthians em Campeonatos Paulista que era a principal competição, extraordinário show de bola do grande Julinho Botelho. Essa vitória foi o início da grande arrancada Alvi Verde para o sucesso, período inesquecível que se iniciou em 1958 com a vinda de Julinho principalmente e também de outros grandes jogadores até 1976 onde dificilmente os palmeirenses passavam um ano sem pelo menos uma comemoração. Grande Julinho Botelho, inesquecível pela categoria extraordinária como jogador e pelo caráter extraordinário como pessoa, exemplo de dignidade.

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